A Changing Markets Foundation lançou a plataforma Greenwash.com, para expor alegadas táticas de greenwashing utilizadas, de forma deliberada ou acidental, por grandes marcas que, por vezes, podem levar o consumidor ao engano.
A investigação da Fundação revelou uma série de exemplos de produtos, iniciativas e anúncios globais de retalhistas e produtores que obscurecem o impacto real da sua atividade junto dos consumidores. A plataforma define o Greenwashing como a prática de falsificação ou alegação de credenciais ambientais de um produto, serviço ou marca, e visa empresas e grupos como a Coca-Cola, a IKEA, a HP, o LIDL e a Unilever, entre outras.
Segundo a plataforma, a Coca-Cola realizou diversas campanhas de publicidade para comunicar que algumas das suas embalagens são feitas a partir de 25% de plástico recolhido do mar, não mencionando que é, alegadamente, o maior poluidor de plástico do mundo. A Packaging contactou a Coca-Cola Portugal, que sublinhou estar a envidar todos os esforços para que as suas embalagens não “acabem onde não devem e está a trabalhar ativamente para encontrar a melhor solução”. Em Portugal, a empresa está a comercializar embalagens compostas por 24,7% de PET reciclado, parte da estratégia para a “criação de uma economia circular a longo prazo nas embalagens. Isto significa trabalhar para eliminar a utilização de plástico fóssil virgem nas nossas garrafas e investir na inovação para aumentar a utilização de plástico reciclado”, refere a empresa. A Coca-Cola Portugal sublinha ainda que, a nível global, se comprometeu a tornar as embalagens 100% recicláveis até 2025, a utilizar 50% de material reciclado nas garrafas e latas até 2030 e a recolher e reciclar uma garrafa ou lata - independentemente de onde venha - por cada uma que vender até 2030. “Atualmente 99,2% das nossas embalagens em Portugal são recicláveis. Ao aumentar a utilização de plástico reciclado nas nossas bebidas não carbonatadas, estamos a dar um passo significativo na missão a que nos propusemos para atingir este objetivo”, explica a Coca-Cola.
A IKEA, diz a plataforma, é acusada de lançar uma gama de têxteis sustentáveis, a MUSSELBLOMMA, que apesar de ser fabricada a partir de plástico parcialmente recolhido no Mar Mediterrâneo, remove a possibilidade de que as garrafas PET sejam recicladas e integrem a economia circular. A IKEA Portugal respondeu à nossa questão, afirmando que “tem a ambição de ter um impacto positivo no ambiente e, por isso, trabalha diariamente no seu processo de transformação para um negócio circular”. O objetivo da empresa é prolongar a vida útil dos produtos e materiais, e que utiliza recursos “de uma forma mais inteligente e recriando os seus pontos de contacto com os clientes em novos formatos. Desta forma, apesar do uso de plástico proveniente dos oceanos não ser uma solução para o problema ambiental em geral, a IKEA acredita que é melhor utilizá-lo, do que deixá-lo a poluir os oceanos”.
Apesar de ainda utilizar materiais virgens de origem fóssil, o grupo IKEA garante que 73% dos materiais que utiliza são renováveis ou reciclados. “O poliéster é um dos materiais que se encontra neste processo de transição de matéria virgem para reciclada. Em 2020, atingimos a marca de 90% de conteúdo reciclado em produtos têxteis feitos de poliéster. Mesmo quando ampliamos a âmbito de medição para incluir todas os produtos de poliéster e fibra, por exemplo, enchimentos, conseguimos garantir que 88% do poliéster na nossa cadeia de abastecimento é reciclado”, explica a empresa, que detalha ainda que, relativamente o ano fiscal de 2021, o impacto da quantidade de poliéster virgem substituído por reciclado fez com que “se reduzisse a pegada climática do nosso uso de poliéster em cerca de, aproximadamente, 45%. O equivalente a 271 000 toneladas de CO2, Com base nos padrões da indústria e de pesquisas atuais recolhidas no Quantis World Apparel Lifecycle Database (WALDB)”. A IKEA sublinha ainda: “Não estamos apenas a trabalhar com a questão do plástico nos nossos produtos, mas também nas nossas lojas. Em janeiro de 2020, atingimos o nosso objetivo de remover todos os produtos de plástico de uso único da nossa gama, restaurantes e bistros”.
O grupo LIDL é referido pela utilização de bolsas recarregáveis no sabonete líquido da marca Cien, que apenas podem ser reutilizadas duas vezes. A Changing Markets Foundation refere que a embalagem deixou de ser composta por materiais que são, pelo menos parcialmente, recicláveis, como PET ou HDPE, por um material flexível que não é possível reciclar.
A HP, em conjunto com a parceira NextWave Plastics, é referida pela utilização de garrafas de plástico, recuperadas dos oceanos, em novos tinteiros e outros produtos, já tendo sido utilizadas mais de 110 milhões de garrafas recuperadas. A Changing Markets Foundation refere que isso perpetua o mito de que “mais consumo pode resolver problemas criados pelo consumo” e de que são produtos que desviam as garrafas da reciclagem, utilizando-as para produzir artigos que poderão ser impossíveis de reciclar depois.
Já a espanhola Mercadona, que continua com um plano de expansão em Portugal, foi referida por não mudar os seus produtos. Diz a Greenwashing.com que “em vez de alterar os seus produtos, na sequência da proibição de talheres de uso único na Diretiva relativa aos plásticos de uso único da UE, o maior supermercado espanhol Mercadona renomeou os seus talheres de plástico como "reutilizáveis" com imagens "verdes" na embalagem”.
Outro caso apontado é o da Unilever, que substituiu embalagens de PET, recicláveis, de detergente líquido, por bolsas recarregáveis. Contudo, aponta a Change Markets Foundation, o material não é passível de reciclabilidade e apenas é possível fazer duas recargas.
George Harding-Rolls, Diretor de Campanha da Changing Markets Foundations, afirmou: "A nossa mais recente investigação expõe uma ladainha de alegações enganosas e manhosas de marcas em que os consumidores devem poder confiar. Esta é apenas a ponta do icebergue e é de importância crucial que os reguladores levem esta questão a sério.
A indústria está feliz em regozijar-se com as suas credenciais verdes com pouca substância, por um lado, enquanto continua a perpetuar a crise do plástico, por outro. Estamos a chamar a atenção para as alegações ambientais para que o mundo possa ver que a ação voluntária levou a um mercado saturado de falsas alegações. Temos de adotar soluções sistémicas, como a redução absoluta das embalagens de plástico e os sistemas obrigatórios de devolução de depósitos."
Sian Sutherland, cofundador do Plastic Planet, disse: "O plástico é agora uma palavra muito poderosa e emocional. Todos sentimos a culpa do plástico quando enchemos os nossos cestos de compras. As marcas têm vindo a explorá-lo nos últimos anos, utilizando técnicas de marketing antigas que são totalmente enganosas ou totalmente falsas, fingindo que o problema está a ser corrigido quando, na verdade, está a piorar com a produção de plástico definida para triplicar até 2040”.
A Changing Markets Foundation está a apelar uma maior intervenção dos reguladores e dos consumidores, de forma a impedir que as alegações ambientais não fundamentadas, ou que possam gerar confusão, sejam eliminadas do mercado.
Até ao momento, a plataforma apresenta 57 casos na indústria da moda e 32 relacionados com plásticos. Em preparação está uma secção destinada ao setor alimentar.
A Packaging contactou todas as marcas referidas neste artigo, de forma a respeitar o princípio do contraditório, que lhes garante um direito de resposta à informação a publicar, para benefício do leitor, não obtendo, até à data da publicação do artigo, comentário de algumas das marcas visadas. Dado o número elevado de marcas envolvidas, foram selecionadas algumas com relevância no mercado nacional, não significando isso que são mais relevantes que os outros mencionados na plataforma. O conteúdo será atualizado, caso assim se justifique.
(Atualização às 15h44 de 06/07/2022)
Nota do Editor
Dada à urgência climática e ao volume de informação (e desinformação) veiculada sobre o assunto, aconselhamos a que os leitores mantenham um espírito aberto e observador, questionando quando necessário, mas evitando acusações sem base científica ou técnica, optando por esclarecer os assuntos junto dos operadores.
Relembramos ainda que não são os materiais, e sim os comportamentos, os responsáveis pela crise climática, sendo necessária uma ação concertada e conjunta por parte dos legisladores, operadores e consumidores para encontrar as melhores soluções, com as devidas análises de ciclo de vida, rumo a uma economia circular.